Cannes 2018 | Crítica | Un couteau dans le coeur (Knife + Heart)

No contínuo resgate estilístico de décadas passadas, Yann Gonzalez (conhecido pelo filme Os Encontros da Meia-Noite), resgata uma cultura marginal francesa do final dos anos 70 através de uma experiência estética única: Un couteau dans le coeur (knife + heart) fez sua estreia no Festival de Cannes, esse ano.

Gravado em película, o filme conta a história de Anne (Vanessa Paradis): uma produtora de filmes pornôs gay, de coração partido pelo recente término do relacionamento de longa data com Lois (Kate Moran, que já havia trabalhado com o diretor anteriormente em Os Encontros da Meia-Noite), que tenta engatar um projeto mais ambicioso para conseguir a ex-namorada de volta. No meio do drama do romance entre as duas, contudo, um mistério surge: uma série de assassinatos de pessoas próximas a ela surge, especialmente seus atores.

O longa começa num misto do contexto presente da história e a gravação de um filme que, no desenrolar, nos leva a um cenário sadomasoquista e termina num assassinato brutal onde, surpreendentemente, a arma escolhida para o esfaqueamento é um grande consolo preto. A partir daí o mistério cresce, cria tensão, se desenvolve e envolve entre tramas pessoais e íntimas, fazendo a vida de todos os envolvidos virar de cabeça pra baixo, mas especialmente a de Anne.

Gonzalez, que já havia trazido um pouco dessa estética trash, eleva o patamar do estilo com muito humor, cores saturadas e vivacidade, traçando a linha que cruza o estilo pretendido e o ridículo com maestria.

A paleta de cores é muito marcante, cheia de saturação, cores neon e notoriamente extensa, revivendo os anos 70 com bastante fidelidade e refletindo a beleza natural das filmagens em 16 e 35mm, com a ajuda de uma direção de fotografia sensacional, assinada por Simon Beaufils.

As cenas dos assassinatos são deslumbrantes!

As atuações todas conversam com o clima exagerado e saturado da película: muitas vezes teatrais e exageradas, mas sempre extremamente coerentes, o elenco sempre parece estar em sincronia ao passar o ar trágico e cômico desse suspense completamente instigante.

A verdade é que, apesar do sentimento de comédia, o filme trabalha assuntos seríssimos por trás da máscara da brincadeira, como repressão sexual e relacionamentos tóxicos – levados ao extremo, inclusive! – Tornando o roteiro não só uma ode brilhante ao terror/horror dos anos 70 e 90, mas também profundo e divertido, entre suas mais diversas peculiaridades.

Un Coteau dans le coeur é não só uma longa reflexão estética e estilística dos nossos prazeres cinematográficos secretos. Ele é, de fato, quase um guilty pleasure instantâneo.

A mistura fantástica de sonhos, drama, tragédia e comédia trouxeram ao festival de Cannes desse ano, em épocas de necessárias críticas sociais chegando em peso, um respiro necessário para a mente e para alma que, apesar de vir de forma descontraída, ainda tem seus motivos políticos e sociais de existir.

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EN

In the continuous rescue of styles from decades past, Yann Gonzalez (known by the film You and The Night, 2013), rescues an outcast French culture from the end of the 70’s through a unique aesthetical experience: Un coteau dans le Coeur (Knife+Heart) was released in the Cannes Film Festival this year.

Shot in film, the movie tells the story of Anne (Vanessa Paradis): a gay porn film producer, broken hearted by the breaking up of a long term relationship she had with Lois (Kate Moran, who had previously worked with the director in the film The Night), who tries to engage in a more ambitious project so she can get her ex-girlfriend back. In the midst of the romantic drama between them both, a mystery rises: a series of murders of people strangely close to her start, specially her actors.

The film starts in a mix of the present context of the story and the recording of a movie in 16mm that, in the developing of the scene, takes us to a BDSM scenery that ends up in a brutal murder in which, surprisingly enough, the chosen weapon for the slashing is a big black dildo. From this moment on, the mystery grows and tension rises in the middle of personal and intimate plots, making the life of everyone involved turn upside down, but specially Anne's.

Gonzalez, who had already brought up a bit of this trash aesthetical, raises the bar of the style to another level with a lot of humour, saturated colours and vivacity, tracing the line that crosses the chosen style and the ridiculous masterfully.

The colour palate is very striking, filled with strength, neons and is notoriously extensive, reliving the 70’s with quite some fidelity and reflecting the natural beauty of the shots in 16 and 35mm, with the help of a sensational photography direction signed by Simon Beaufils.

The staged murders are a delight!

All the acting speak with the exaggerated vibes of the film: many times stagy and over the top, but always extremely coherent, the cast often seems to be in sync when showing us the both comic and tragic feelings of this completely provoking thriller.

The truth is that, apart from its comedic side, this piece works out very serious subjects behind its playful mask, like sexual reprehension and toxic relationships – taken to an extreme, including! – making the script not only a brilliant homage to the 70’s and 80’s horror/terror flicks, but also deep and fun amongst its many peculiarities.

Un couteau dans le couer is not just a long reflection about our aesthetical secret cinematographic pleasures. It’s, indeed, almost an instantaneous guilty pleasure.

The fantastic mix of dreams, drama, tragedy and comedy brought to the Cannes Festival this year, in times of a lot of needed social criticism, necessary breathing space to the mind and soul that, even though it comes in a laid-back way, still has its political and social reasons to exist.